Fazenda Nacional Santa Cruz
Rio de Janeiro – RJ
Descrição:
Traslado dos autos do inventário da Fazenda de Santa Cruz sequestrada aos denominados Jesuítas (1779)
Gênero documental:
Textual
A história da Fazenda Nacional de Santa Cruz se confunde com a história do Brasil. Seja por sua vasta extensão, que na segunda metade do século XVIII correspondia ao dobro a área da cidade do Rio de Janeiro, seja pelos quase dois mil escravos que ali trabalharam em seu auge, a Fazenda de Santa Cruz constitui um exemplo emblemático dos interesses políticos, econômicos e religiosos que permearam a formação do Estado brasileiro.
Compreendendo uma faixa de terra que se estendia desde o bairro de Guaratiba, Zona Oeste da capital fluminense, até o município de Vassouras, no interior do Estado, a origem da propriedade remonta à sesmaria doada em 1556 pela Coroa portuguesa ao fidalgo Cristóvão Monteiro, em recompensa aos serviços que havia prestado na luta contra os franceses instalados na Baia de Guanabara. Seguindo as instruções deixadas em testamento, após a morte de Monteiro e de sua esposa, em fins do século XVI, parte da propriedade foi doada à Companhia de Jesus. Com o passar dos anos, foram incorporadas à Fazenda Santa Cruz diversas outras áreas igualmente doadas por fiéis, além de terras compradas por iniciativa dos jesuítas.
No século XVIII, os números relacionados à Fazenda de Santa Cruz impressionavam: além dos dois engenhos de açúcar, moinhos e diversas outras benfeitorias, os proprietários da Fazenda Santa Cruz possuíam milhares de cabeças de gado e cerca de 1.500 escravos, quantidade muito superior à média encontrada nas fazendas existentes à época na capitania do Rio de Janeiro e em todo o Centro-Sul da colônia. Além disso, a fazenda se sobressaia como uma importante produtora de açúcar, farinha, anil e arroz, os quais eram transportados por via terrestre para regiões circunvizinhas, especialmente São Paulo e Minas Gerais, bem como por via marítima, a partir da Baia de Sepetiba.
Por sua vez, em meados do século XVIII, as transformações em curso na corte portuguesa repercutiram de forma drástica na história da Fazenda Santa Cruz. Logo após assumir em 1750 a função de ministro do rei D. José I, o Marquês de Pombal promoveu uma reforma político-jurídica que tinha como propósito reverter a hegemonia eclesiástica e aristocrática flagrantes na sociedade portuguesa até então. Em 1759, a preocupação da administração pombalina em defender suas possessões ultramarinas, sobretudo na colônia brasileira, a partir da centralização estatal e da racionalização do aparelho burocrático culminou na expulsão dos religiosos da Companhia de Jesus do Brasil e na incorporação de todos os seus bens ao patrimônio da Coroa portuguesa. É nesse contexto em que se inscreve o Translado dos Autos do Inventário da Fazenda Santa Cruz Sequestrada aos Denominados Jesuitas no Anno de 1779, um dos documentos de inestimável valor histórico pertencente ao acervo da Superintendência do Patrimônio da União. Elaborado duas décadas após a expulsão dos jesuítas, o documento consiste em um inventário detalhado dos bens de raiz, móveis e semoventes feito pelo Juiz de Fora Gonçalo Teixeira de Carvalho conforme ordens expedidas pela rainha D. Maria I. A decisão de inventariar os bens confiscados expressava o interesse das autoridades portuguesas em partilhar e vender em lotes a propriedade. Dessa forma, constam em suas 231 páginas a relação discriminada de todos os bens, desde edificações como casas, igrejas, currais e engenhos, até o número de trabalhadores escravos. Entre as observações assinaladas pelo Juiz de Fora, se destacam as informações pormenorizadas sobre a faixa etária e a organização familiar dos escravos composta, em grande parte, por casais e filhos adolescentes e crianças, além de um número expressivo de idosos acima de sessenta anos, chegando alguns a mais de 100 anos. Merece também destaque a listagem dos objetos litúrgicos pertencentes aos jesuítas, em especial tecidos ricamente ornados e peças em ouro. A rara precisão com que o Translado dos Autos do Inventário da Fazenda Santa Cruz Sequestrada aos Denominados Jesuitas no Anno de 1779 retrata a complexa composição social e a opulência material de um dos principais complexos agropecuários que existiram em toda a América portuguesa reforça a potencialidade informativa que o documento possui para pesquisadores de diferentes áreas dedicados ao estudo dos aspectos sociais, religiosos, políticos e econômicos do passado colonial brasileiro.